quarta-feira, 1 de outubro de 1997

Descentralização e inter-setorialidade na gestão pública municipal

Descentralização e inter-setorialidade na gestão pública municipal1

Luciano A. Prates Junqueira2

http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/TextosTecnicos/textec4.htm

1 – INTRODUÇÃO
A discussão da eficácia da gestão das políticas sociais tem privilegiado, a partir da década dos 80, a descentralização como possibilidade de tornar o poder mais transparente e susceptível ao controle social. Esse processo tem introduzido mudanças significativas nos setores sociais e, em especial na saúde. No entanto, cada política é tratada isoladamente, e não são consideradas as necessidades dos cidadãos. A solução para isso não depende apenas da intervenção de uma das políticas sociais, mas da inter-relação dessas políticas.
Nesse sentido, o conceito de inter-setorialidade surge como uma possibilidade de solução dos problemas do cidadão de maneira integrada, considerando-o na sua totalidade. A saúde como direito do cidadão e dever do Estado preconizada na Constituição Brasileira de 1988 não contempla apenas a doença, mas o direito do cidadão a uma vida digna e com qualidade. E isso não envolve apenas a saúde, mas também a educação, trabalho, habitação, enfim, outras dimensões sociais, não-isoladas, mas de maneira integrada, inter-setorialmente.
Apesar das experiências realizadas no Brasil buscando dar conta desse processo em projetos municipais, elas não chegaram a reordenar o aparato estatal gestor das políticas na perspectiva inter-setorial. Daí a importância da experiência iniciada, a partir de janeiro de 1997, em Fortaleza, município do Nordeste brasileiro, que transforma sua organização na lógica da descentralização e da inter-setorialidade. Com isso, pretende-se mudar a maneira de gerenciar a cidade, centrada no cidadão e em suas necessidades.
O objetivo deste artigo é apresentar esse processo, iniciando-se pela discussão dos conceitos de descentralização e inter-setorialidade, para dar conta desse modelo e, em seguida, visualizar o processo de mudança da organização da Prefeitura de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, com cerca de um milhão e novecentos mil habitantes.

2 – DESCENTRALIZAÇÃO E INTER-SETORIALIDADE: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MODELO DE GESTÃO
A descentralização não é um conceito novo na literatura especializada. No Brasil, vem no bojo do movimento de democratização e participação na época da mudança dos regimes autoritários.
A descentralização é um processo de transferência de poder dos níveis centrais para os periféricos. Apesar de não haver uma concordância sobre este conceito, a perspectiva progressista aborda-o como uma estratégia para reestruturar o aparato estatal não para reduzi-lo mas para torná-lo mais ágil e eficaz, democratizando a gestão através da criação de novas instâncias de poder, redefinindo as relações Estado/Sociedade.
Apesar de a descentralização não poder ser confundida com democratização e participação, ela é um "processo de redistribuição do poder de decisão estatal em suas dimensões funcionais ou territoriais", mas não terá sentido se não vier acompanhada pela presença da sociedade civil3. E no contexto da crise dos estados nacionais combina-se a emergência dos governos locais comprometidos com a cidadania e a democracia.
A descentralização como um processo que se define de maneira dialética em relação à centralização é a possibilidade de levar a decisão sobre as políticas sociais para o âmbito do município, para junto dos seus cidadãos.
No entanto, o que interessa nessa discussão é visualizar como se dá a descentralização da gestão das políticas sociais no âmbito municipal. No Brasil, o município é um ente federado e, como tal, possui competências definidas pela Constituição para gerenciar essas políticas. Nesse sentido, não depende de transferência de poder dos outros níveis de governo4.
Nesse quadro, o município5 passa a desempenhar um novo papel e, conseqüentemente, Estado, unidade federada. Os princípios constitucionais mudam a relação Estado/Sociedade. No entanto, não basta o poder formal se os municípios não dispõem dos recursos financeiros necessários à implementação das políticas, que estão, na maioria das vezes, nos níveis federal e estadual.
Ademais, o governo estadual, detendo os recursos, realiza em algumas áreas a prestação de serviços, mantendo o papel de prestador, hoje, de competência do nível municipal. Isso, de algum modo, pode acarretar constrangimentos na realização de sua função de articulação intergovernamental, orientação e implementação do desenvolvimento regional e estadual.
O processo de descentralização como estratégia governamental, aponta para a necessidade de recolocar cada ente federativo em seu espaço de ação peculiar, de modo que o município preste os serviços locais à sua população e que o Estado o apoie, através da regulação das relações e da moderação das desigualdades regionais, garantindo a ação intergovernamental e inter-setorial no âmbito da unidade federada, com vistas à qualidade de vida da sua população.
Dessa perspectiva, a municipalização como um processo de descentralização poderá contribuir não apenas para melhorar a eficácia da gestão pública das políticas sociais como para a reconfiguração progressiva do Estado, que passa pela explicitação da missão e reformulação do seu aparato organizacional.
No entanto, o processo de municipalização não vem ocorrendo de maneira uniforme para todas as políticas, pois nem todas estão no mesmo estágio de desenvolvimento da sua gestão. A transferência de equipamentos e recursos é feita de forma isolada por cada política. Isso tem repercussões na gestão municipal, que deve obedecer à forma como cada uma gerencia seus recursos e as diversas instâncias que deve percorrer. Assim, o município reproduz essa fragmentação na gestão de cada política setorial, refletindo as condições em que cada uma se encontra.
A questão é saber como superar essa fragmentação no interior do aparato municipal, pois as necessidades dos cidadãos não são satisfeitas apenas pela intervenção de uma política. As doenças e suas causalidades podem estar na dependência de ações da assistência médica, mas também de outras ações, como da educação, do trabalho e da alimentação, dentre outras. Apesar de a descentralização constituir uma possibilidade de alterar a gestão de uma política social, como foi no caso da saúde, ela não garante a sua eficácia.
O cidadão, para resolver os seus problemas, necessita que eles sejam considerados na sua totalidade e não de forma fragmentada. Os serviços são dirigidos aos mesmos grupos sociais, que ocupam o mesmo espaço geográfico, mas seu atendimento é realizado isoladamente. A possibilidade de superar essa dicotomia, permitindo que o cidadão usufrua de uma vida com qualidade, é a interação entre as diversas ações setoriais, constituindo o que se denomina de inter-setorialidade.
A qualidade de vida passa pela interação de várias dimensões do bem-estar – físico, psíquico e social – que as políticas setoriais, isoladamente, não são capazes de realizar. As expectativas e necessidades dos diferentes grupos populacionais demandam articulações e ênfases distintas na efetivação das políticas6. Assim, é necessário considerar esses grupos populacionais e o espaço que ocupam para formular planos e progamas que atendam às suas necessidades.
Parte-se dos problemas da população e procura-se de forma integrada buscar soluções que remetam às ações e aos saberes próprios de cada política. Dessa perspectiva identificam-se as determinações sociais dos problemas emergentes nos diversos grupos populacionais de um determinado território e buscam-se soluções não apenas no âmbito de uma política, mas das diversas políticas envolvidas. Enfim, o que se preconiza é a inter-setorialidade.
A inter-setorialidade é vista como uma articulação de saberes e experiências no planejamento, realização e avaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas visando ao desenvolvimento social e a exclusão social7. É uma nova lógica que se preconiza para superar a gestão da cidade, buscando superar a fragmentação das políticas, considerando o cidadão na sua totalidade, nas suas necessidades individuais e coletivas. Mas essa totalidade passa também pelas relações homem/natureza. É o espaço geográfico onde se dão as relações, mas que também é construído socialmente.
Dessa perspectiva, a inter-setorialidade não é um conceito que engloba apenas as dimensões das políticas sociais, mas também a sua interface com outras dimensões da cidade, como sua infra-estrutura, ambiente, que também determinam a sua organização e regulam a maneira como se dão as relações entre os diversos segmentos sociais.
Essa lógica determina uma nova maneira de gerenciar a cidade, que passa pela identificação dos problemas e pela solução integrada, buscando garantir aos diversos grupos populacionais os seus direitos de cidadãos.
Portanto, a descentralização e a inter-setorialidade são dois conceitos que se completam e que determinam uma nova forma para a gestão das políticas públicas na cidade. Referem-se basicamente à população, aos seus problemas, circunscritos em um determinado território ou região da cidade. Essa concepção deve também informar um novo formato organizacional da Prefeitura, que estruturada setorialmente para atender a uma mesma população, deve adequar-se a essa nova proposta.
Isso não significa que o formato institucional que surge dessa nova concepção garanta, necessariamente, maior eficácia à gestão municipal. Mas, sem dúvida, é um meio para torná-la mais aderente às necessidades dos cidadãos. Com a descentralização, o poder fica mais próximo dos munícipes, susceptível às suas demandas e ao seu controle. A inter-setorialidade possibilita que o aparato estatal mais integrado possa otimizar os recursos disponíveis no trato dos problemas da população no território sob sua jurisdição.
A população não é homogênea. Nem nas suas necessidades nem nas suas aspirações. A intervenção da Prefeitura em seu território deve respeitar as singularidades da sua população e do espaço onde vive e/ou trabalha, para isso é necessário estabelecer critérios que permitam formular objetivos e metas, a partir de prioridades que promovam a qualidade de vida da população, mediante o acesso a bens materiais e imateriais disponíveis.
Nesse sentido, o critério geográfico, do território, ocupa um lugar particular, pois é aí que as pessoas vivem e interagem com seu meio. Esse critério, combinado com aquele dos grupos populacionais, determina formas de agir e serviços. Essa forma de organização não pode dar origem a uma estrutura vertical e hierarquizada. Assim, para atender a essa realidade, é necessária uma organização matricial, ou seja, uma organização flexível, por projeto, que otimize os recursos humanos existentes, o seu saber e competências. Com isso, estabelece-se uma forma de organização que deve privilegiar prioridades, estruturando-se para responder de maneira integrada aos problemas da população da área nas suas especificidades.
Essa é, portanto, uma nova maneira de superar a dicotomia setorial da ação concreta. Mendes, ao comentar o trabalho da Prefeitura de Campinas desenvolvido dessa ótica, diz:" O lugar privilegiado da ação governamental deslocou-se do centro para a periferia ... e as ações governamentais deixaram de ser realizadas por uma secretaria setorial"8.
É essa nova concepção que informa a organização da Prefeitura de Fortaleza. No entanto, é bom ter presente que a mudança de estrutura pode determinar um nova maneira de gerenciar, mas não sua eficácia. Isso vai depender da mudança que se conseguir realizar na cultura da organização, nos seus valores, fazendo com que seus servidores compartilhem da construção dessa nova realidade social.

3 – A MUDANÇA ORGANIZACIONAL E SUAS DETERMINAÇÕES
É a partir do modelo delineado no item anterior que se buscou mudar o formato organizacional da Prefeitura Municipal de Fortaleza. Há mudanças de vários níveis, mas aquela que busca alterar a lógica da organização, o seu processo de trabalho, deve ter seu projeto partilhado com os diversos atores organizacionais, pois é deles que vai depender sua eficácia.
A mudança organizacional tem um significado diferente para os diversos membros da organização. E isso vai depender da posição que cada um ocupa no espaço organizacional. Mudar significa alterar uma velha ordem, dar uma nova distribuição do poder que foi construído ao longo dos anos na administração pública municipal brasileira, que antes de privilegiar as necessidades dos cidadãos e seus problemas, organiza-se para atender aos interesses particulares e corporativos.
Estabelecer uma nova ordem significa contrariar interesses e avançar para construir uma nova organização, moldada por uma lógica que privilegie as necessidades dos cidadãos e, por sua vez, determine mudanças nas práticas administrativas, na cultura da organização. Estabelecer novos compromissos a partir de um novo ideário, em que o servidor deve desempenhar o papel de agente de mudança.
Daí a necessidade de evitar "a armadilha dos hábitos"9, que está sempre à espreita. Na organização existem sistemas de valores diferentes que competem entre si e criam um mosaico de realidades organizacionais diferentes. Por isso a mudança, mesmo sendo concebida a partir de um referencial que contemple a sua clientela, tem seus riscos. As resistências diferem em função dos grupos de interesses, da cultura criada no interior desses grupos, que se vêem alijados do processo.
A cultura organizacional não é algo imposto sobre uma situação social, desenvolve-se durante o curso da interação social que se dá no interior das organizações. Essas constituem processos que produzem sistemas de significados comuns10. Assim a cultura é um processo contínuo, proativo da construção da realidade. A cultura não é uma variável que as sociedades ou organizações possuem, mas um fenômeno ativo, vivo, através do qual as pessoas criam e recriam o mundo dentro dos quais vivem.
A mudança organizacional não se faz apenas pela vontade política dos seus dirigentes, ela é fundamental, mas não suficiente. A organização tem de quebrar as diferenças através da orientação das suas atividades por um referencial comum, por conjuntos integrados de normas e prioridades.
Assim, a mudança que vem ocorrendo na Prefeitura Municipal de Fortaleza é um processo que se iniciou pelo delineamento de um novo modelo de organização, que deveria viabilizar uma nova forma de gestão das suas políticas. Contudo, sua implantação significa também mudar a cultura organizacional, as práticas e a maneira de ver a organização. Esse é um processo de ruptura de estruturas e práticas informado por uma lógica que no Brasil não possui similar.

4 – O PROCESSO DA MUDANÇA : A NOVA ORGANIZAÇÃO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FOTALEZA
O Prefeito eleito de Fortaleza, Dr. Juraci Magalhães, a partir de discussão com seu "staff " e a consultoria, optou por uma nova forma de organização da Prefeitura, que contemplasse a descentralização e a inter-setorialidade. Isso viria em substituição a uma estrutura verticalizada e setorializada.
Conformou-se uma nova organização da Prefeitura, descentralizando o poder para seis regiões da cidade. Os dirigentes dessas unidades regionais possuem poder para resolver todos os problemas da sua área de maneira integrada. As Secretarias responsáveis pelas políticas setoriais cederam lugar a um novo aparato, integrando o planejamento e o apoio técnico à gestão das diversas políticas setoriais.
Esse processo consolidou-se quando no início da gestão do Dr. Juraci Magalhães o Poder Legislativo aprovou o anteprojeto de Lei que conforma o novo arcabouço político institucional da Prefeitura de Fortaleza. Uma nova Lei, a nº 8.000, de 29 de janeiro de 1997, reestrutura o governo municipal. É um processo que se inicia por uma forte vontade política de mudar, mas sua concretização está na dependência de diversos atores políticos.
Os servidores constituem um dos principais atores, pois é da sua prática e da sua capacidade de comprometer-se com esse novo processo que depende a sua eficácia. A vontade de mudar foi explicitada pelo Prefeito quando iniciou sua gestão com uma convocação dos servidores para a mudança. Não uma convocação qualquer, pois o projeto de mudança já estava formulado, o que se queria dos servidores era o entendimento da proposta e sua contribuição na formulação das estratégias de implantação.
Essa estratégia da mudança por parte do Prefeito foi ousada, porque correu-se o risco de o processo perder-se na sua implantação. Os interesses dos grupos e as suas práticas e valores poderiam comprometer o processo. Era essa cultura que necessitava ser mudada, ser construída, para incorporar a nova lógica que se pretendia com a nova organização, centrada nos interesses dos munícipes e de suas necessidades.
Com essa reforma buscou-se mudar as relações entre governo e cidadão, através de uma organização do trabalho descentralizado e inter-setorial. Com isso pretendeu-se que o governo do município colocasse ao alcance do munícipe os serviços municipais, permitindo o acesso fácil e digno, para que usufruam de uma vida com qualidade, garantindo sua condição de cidadão.
Essa reforma administrativa da Prefeitura Municipal de Fortaleza, pretendendo integrar e otimizar seus recursos, não tinha como proposta reduzir seu aparato, mas organizar-se para melhor atender aos cidadãos fortalezenses. Mesmo que essas mudanças tenham penalizado parte dos servidores, ela não trazia no seu bojo aquilo que parece caracterizar as reformas de cunho neo-liberal, que é a redução do aparato estatal para aumentar sua eficiência e eficácia.
Nesse sentido, a lógica da organização da Prefeitura do Município de Fortaleza foi pautada pelos seguintes objetivos:
aproximar o governo do cidadão na região onde ele vive;
reconhecer o cidadão como sujeito de direitos – não como
objeto de atuação;
acolher e dar soluções integradas a necessidades e expectativas do cidadão.
É nesse contexto que se deve entender a proposta de reordenamento do aparato burocrático da Prefeitura de Fortaleza. Pretendeu-se reformular a gestão municipal, descentralizando o poder através de secretarias regionais, responsáveis pela gestão integrada dos recursos, pois apesar de os problemas sociais manifestarem-se isoladamente, sua solução é parte de um todo complexo, que demanda uma maneira integrada de resolvê-los. As políticas setoriais têm dificuldade em promover a eqüidade e a integralidade do atendimento ao cidadão.
Assim, com foco no cidadão e no território onde vive criaram-se as seis Secretarias Executivas Regionais – SER, com a função de identificar os problemas da população de cada bairro na sua área de abrangência e encaminhar soluções integradas. Elas são responsáveis por identificar os grupos populacionais, suas necessidades e demandas para subsidiar a definição de prioridades. Respeitando essas prioridades, as secretarias devem estabelecer objetivos e metas específicas para cada grupo ou grupos da população do seu território, prestando serviços em uma rede articulada de ação social.
Responsáveis pelo atendimento da população do território sob sua jurisdição, as SER coordenam os serviços especializados em sua região, que devem contemplar o cidadão como um ser integral. Nessa lógica, a escola não se limitará ao ensino. O serviço de saúde não se limitará ao atendimento da intercorrência ou à ação preventiva. O ginásio de esporte não se limitará a oferecer seu espaço e equipamentos. Cada serviço sediado numa dada comunidade compõe uma rede de ação social.
As SER, responsáveis pelo atendimento do cidadão num determinado território, contam com outras secretarias, que possuem carácter articulador e de suporte técnico às suas ações, pois há ações que não se circunscrevem a apenas parte do território, mas a todo o município.
Para realizar essas atividades de natureza municipal e de integração das ações municipais foram criadas três Secretarias: Secretaria Municipal de Ação Governamental, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social11.
A Secretaria Municipal de Ação Governamental – SAG é um órgão com a função de formular diretrizes gerais e indicar prioridades que deverão nortear as ações governamentais bem como articular, consolidar e acompanhar o orçamento e as relações externas e internas do governo municipal com a população. É uma secretaria de articulação, tanto em nível de planejamento e orçamento municipais como com a sociedade civil. Além disso, o sistema de informações municipais é de sua competência, pois é ela que deve dar o apoio estratégico à gestão municipal.
Essa Secretaria deve ser, sobretudo, um órgão de controle e avaliação, acompanhando as ações dos diversos órgãos municipais e apoiando o Prefeito nas sua decisões.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social é um órgão que integra as políticas sociais, uma vez que proporciona as condições para a melhoria da qualidade de vida da população da cidade, responsabilizando-se pelo planejamento e articulação inter-setorial das políticas de promoção e recuperação das condições de emprego e renda, educação, saúde, abastecimento, habitação, cultura, lazer e assistência social.
Sua função é definir prioridades para o grupo de crianças e adolescentes do Município, para as famílias e para os trabalhadores; padrões de qualidade; monitorar indicadores e verificar resultados. Além disso, deve subsidiar, tecnicamente, as ações e serviços especializados prestados aos munícipes de Fortaleza. Além dessas funções, ela deve garantir a interface com os demais níveis de governo, que se organizam setorialmente. Com isso ela tem o papel de coordenar os sistemas de informações das políticas sociais, bem como programas intergovernamentais e inter-regionais.
Assim, essa Secretaria, com a finalidade de realizar tarefas inter-setoriais, ainda deverá adequar-se às práticas setorializadas de outros organismos, que demandam respostas sem considerar o processo em curso no município.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social também define, em relação a cada subconjunto da população do Município – crianças, adolescentes, trabalhadores, famílias – metas de educação, saúde, assistência social, cultura, esportes, lazer e abastecimento de forma integrada e referida a prioridades para esses grupos, tais como: diminuição da mortalidade perinatal e neonatal; diminuição da mortalidade infantil, acesso a creches e pré-escolas a todas as crianças de zero a seis anos, acesso ao ensino fundamental obrigatório a todas as crianças em idade escolar e aos que não tiveram acesso na idade própria, diminuição das ocorrências de violências com crianças; diminuição de doenças preveníveis por vacinação e outras ações coletivas e individuais; diminuição da repetência e da evasão escolar etc.
Esse processo de trabalho da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social se faz de maneira articulada com as Secretarias Executivas Regionais, pois é aí que essas novas práticas se concretizam.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente integra todas as tarefas referentes a infra-estrutura urbana. Nesse sentido, ela responsabiliza-se pelo planejamento e articulação inter-setorial das políticas de controle urbano, meio ambiente, transportes, obras viárias, obras municipais e limpeza urbana. Sua atuação restringe-se a articulação e ao controle das ações realizadas pelas SER. Contudo, ações que ultrapassem o âmbito de uma região também exigem a intervenção dessa Secretaria.
Essa Secretaria, assim como a SMDS, responde pelas relações intergovernamentais e inter-regionais. Contudo, seu objeto não possui as mesmas características das políticas sociais, que gerenciadas setorialmente desenvolvem mecanismos de controle verticalizados, exigindo a existência de unidades setoriais para dar respostas às suas demandas.
A criação desse novo aparato buscou integrar e agilizar respostas para o cidadão fortalezense. As Secretarias de apoio, quais sejam, Finanças, Administração e Procuradoria Jurídica passaram por reformas para adequar-se à nova proposta organizacional da Prefeitura, assim com os órgãos da administração indireta – fundações e autarquias.
A avaliação da atuação de cada órgão em seu nível de intervenção exigirá a definição de indicadores inter-setoriais, que permitirão o monitoramento de sua implantação e evolução. Esse processo está por ser feito, pois a construção de indicadores compostos não é uma tarefa fácil e passa antes por uma prática inter-setorial que ainda está em construção.
Esse processo de mudança da Prefeitura de Fortaleza contém no seu bojo uma desestruturação: a transformação que ocorreu com a Lei só se consolidará com a construção da nova organização municipal.
As organizações são realidades socialmente construídas que estão nas cabeças, nas mentes dos seus membros mais do que nos conjuntos concretos de regras e relacionamentos. Assim, esse é um processo ainda em construção na reforma da Prefeitura.
A constituição do quadro das novas Secretarias, a composição das equipes multiprofissionais e específicas, discute o novo modelo organizacional, incorporando e discutindo o processo de implantação, definindo as metas e os indicadores que permitirão acompanhar o seu desenvolvimento e os resultados.
Esse processo de mudança só se viabilizará mediante negociações entre os diferentes atores sociais presentes na arena política. É necessário ganhar aliados. Neste particular é importante envolver o servidor, valorizá-lo, ganhá-lo para a idéia do projeto, para a implantação. Se a proposta do Prefeito é de buscar a eficácia da gestão pública sem penalizar os servidores, é necessário sensibilizá-los para a mudança, tornando-os parceiros.
Entretanto, essa aliança não pode ser apenas com os atores organizacionais, mas também com outros atores sociais capazes de comprometer-se com o projeto que visa a melhoria da cidade e da qualidade de vida de seus cidadãos.

5 – CONCLUSÃO
A mudança que se pretende na gestão da Prefeitura Municipal de Fortaleza, partindo da descentralização e da inter-setorialidade, redistribui e reorganiza o poder no interior do seu aparato. Isso altera a relação entre os diversos segmentos organizacionais e mesmo a forma de gestão dos recursos.
Contudo, essa transformação não é suficiente para dar eficácia à gestão, mesmo que prevaleça a lógica da inter-setorialidade e da territorialização, redistribuindo e integrando o poder no espaço municipal. Essa mudança só se viabilizará mediante a transformação das práticas e da cultura organizacional da prefeitura, com o compromisso dos seus servidores com o novo projeto de gestão, com a construção da organização que visa a garantir ao cidadão fortalezense a melhoria na sua qualidade de vida.

REFERÊNCIAS
1. Texto preparado para exposição na CLAD 97, outubro de 1997
2. Sociólogo, Técnico Sênior da Fundap, Coordenador do Projeto de Consultoria à Prefeitura Municipal de Fortaleza – Ceará/BR, Professor Assistente Doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC, SP.
3. Rofman, Alejandro. Aspectos Conceptuales sobre Descentralización Político-administrativa en America Latina, In: Seminario-Taller sobre :Descentralización de los Servicios de Salud como estrategia para el Desarollo delos sistemas Locales de Salud, Quito, 28/5 a 01/06/1990,Anais:13-40, p.20
4. Junqueira, Luciano A Prates. A Descentralização e Reforma do Estado, In: Mudança uma Causa Compartilhada: do ERSA ao SUS, Tese de Doutorado, Faculdade de Saúde Pública da USP, São Paulo, 1996, p.20-43. p.22
5. O município alcançou, na Constituição de 1988, a situação de ente federativo de pleno direito, apesar de sua autonomia ser relativizada pelas determinações constitucionais comuns para todos os entes federados. Essas determinações impõem alguns modelos de organização que não consideram as peculiaridades regionais e responsabilidades entre as esferas de governo.
6. Junqueira, Luciano A Prates . A Intersetorialidade da Ação social. Boletim de Conjuntura: Política Social, São Paulo: Fundap, nov./dez. 1994, 15:40-41
7. Junqueira, Luciano A Prates & INOJOSA, Rose M. Desenvolvimento Social e Intersetorialidade: a Cidade Solidária, São Paulo, Fundap, 1997 (mimeo). Este artigo informa parte da discussão aqui realizada.
8. Mendes, Eugenio Vilaça. Uma Agenda para a Saúde, São Paulo, Hucitec, 1996, p. 256
9. Motta, Paulo . Gestão Contemporânea: a Ciência e a Arte de ser Dirigente, 2a. Ed., Rio de Janeiro, 1991
10. Morgan, Garet. Imagens da Organização, São Paulo, Ed. Atlas, 1996.
11. Prefeitura Muncipal de Fortaleza. Lei no 8.000, de 29 de Janeiro de 1997.

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